rascunho de idéias e sentimentos

quarta-feira, setembro 19, 2007

CECÍLIA MEIRELES


Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! tudo bolhas que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... – mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.Tudo mentira!
Mentira da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcança...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - nas trevas fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.



[Cecília Meireles in Flor de poemas]

foto (cass) : barra do una

terça-feira, setembro 11, 2007

FERNANDO PESSOA

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.

Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.

Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu." (Fernando Pessoa)

quinta-feira, setembro 06, 2007

Gentilezas engraçadas

O humor sarcástico muito me agrada...é seco e prazeroso como um bom vinho...
Deve ser por ter esta paixão, que "Gentilezas"sutilmente toscas me chamam a atenção e são capazes de carimbar uns sorrisos no meu rosto em momentos como: enquanto ando...sozinha...pelas ruas, a caminho do trabalho, lembrando dos episódios.
Certo dia um cara qualquer "ficou" comigo. Permaneceu no convívio, mesmo sem um envolvimento amoroso mais profundo. Outro dia ficou com uma colega muito próxima. Ao se ver numa possível situação incômoda, resolveu o assunto, comentando:
- "Aaaah, isto aí resolvam entre vocês...".
Maaasss que gentil!
***
Minha profissão requer que eu entreviste as pessoas que têm algo a dizer à sociedade. Por isso, trabalhando com o tema de cultura e entretenimento, já fiz reportagens com diversos artistas. Eu adorava. Perguntava detalhes dos projetos e trabalhos artísticos. Muitas vezes, devo confessar, perdi a oportunidade de explorar mais. A brecha, em grande parte, havia; podia ir no âmago das criações do artista. Mas...sabe como é: nem sempre é.
Bom, eu também, então, por "n" motivos que não cabem aqui agora, me identicava com os porta-vozes do protesto. Os protagonistas da cena militante cultural. E foi com esse sentimento que entrevistei um artista. Levei vários "cortes" durante o papo. Gravei a entrevista e até que ficou engraçada. Eu falava: é assim? Ele: não, não...Eu falava: mas, a intenção é protestar, discutir...Ele: não, a intenção é fazer "arte", "música"...E eu, com uma vozinha enjoada, flutuante: blá, blá, blá...certo??? E ele, com aquela voz grossa,...reta: Errado!!! Foi engraçado...
A tal da entrevista fluiu. Mas a linha da conversa que eu queria mesmo levar, perdi logo no início.
Depois de anos o encontrei. Na mesma proposta; não profissional, mas de gosto pessoal. Estava no local para ouvir o seu estilo de música. Falei com ele. Relembrei o episódio. Tudo num papo de um minuto. E ele disse:
-Me manda. Grava em MP3 e me manda. (E foi saindo...)
-Mas tá em fita! É ...fita cassete!!!
E ele:
-Se vira! Se vira! (E continuou saindo...)
Pô mano, mas que gentil!